sexta-feira, 19 de abril de 2013


Áíyrá
Hoje em dia no Brasil falar de Sàngò sem falar de Áíyrá é quase impossível por seus cultos estarem interligados. Os sacerdotes desprovidos de cultura, cultuam Áíyrá como uma qualidade de Sàngò o que não está completamente errado, uma vez que com o passar dos tempos,  o modo de tratar desse òrísá foi perdido e junto sua identidade, absorvendo muito dos aspectos de Sàngò. Porém, alguns sacerdotes vêm resgatando o culto a essa divindade, trazendo a público suas cantigas, suas variações e seus rituais, deixando bem claro a diferença entre ambos.
Áíyrá é originário de Sávé, província que faz divisa com Dahomey, sendo chamado lá de Sádántàn (Xadantã). O território de Sávé foi invadido e dominado por Sàngò, tornando-se mais uma província de Òíyó. Seus habitantes foram escravizados e Áíyrá passou a servir Sàngò. Em pouco tempo, Áíyrá ganhou a confiança do rei e passou a liderar o exército de Òíyó, sendo a segunda pessoa mais importante do reino. Contam às lendas que Òsáàlúfón, o rei de Ífón, que era muito amigo de Sàngò, viria a Òíyó fazer uma visita ao grande Ògbá. Antes, como o manda o costume africano antes de fazer grandes viagens, Òsáàlúfón procurou um gbágbáláwò para consultar o Ífá. No jogo Èsú pediu que fosse agradado antes de partir e ainda mandou Òsáàlúfón levar consigo sabão da costa e duas mudas de roupas limpas. Òsáàlúfón acatou a mensagem de Ífá, mas como era teimoso, negou a agradar Èsú e partiu levando consigo apenas uma muda de roupa e o sabão da costa. Èsú se sentiu ofendido e estava disposto a transformar a viagem do grande òrísá um verdadeiro inferno. Òsáàlúfón começou sua viagem, montado em cavalos brancos quando deu de frente com um homem velho, de roupas surradas, carregando um barril pesado de dendê. Òsáàlúfón, òrísá da bondade e da pureza, pôs-se a ajudar o homem a carregar o barril quando, de uma só vez, em um movimento rápido, o homem vira o barril em cima de Òsáàlúfón, sujando toda a sua veste branca. O homem mostrou sua verdadeira face, ele era Èsú, em sua forma Èsú Ákúpá, o senhor do dendê, que gargalhando e zombando de Òsáàlá, disse que o mesmo tinha virado farofa de Èsú. Òsáàlá, senhor do branco extremo, tinha como uma de seus principais èwós o dendê e, enquizilado, foi até o rio mais próximo, tomou o banho com o sabão da costa, vestiu a muda de roupa limpa que tinha levado e fez um ègbó com a roupa suja, dando nós e jogando ao rio. Òsáàlúfón continuou sua viagem quando mais uma vez deparou-se com um homem, só que esse carregava um pesado saco de carvão. Òsáàlúfón ficou receoso em ajudar o pobre homem, pois tinha acabado de ser enganado por Èsú, mas dotado de uma bondade infinita, pôs-se a ajudar novamente. Mais uma vez o homem era um dos disfarces de Èsú, em sua forma Èsú Èlèdú o senhor do carvão, furando o saco e sujando toda a suas vestes, gargalhando e zombando de Òsáàlúfón, dizendo que o mesmo tinha tornado um Ègbó. Òsáàlá também tinha como èwó o carvão, mas como havia contrariado as ordens de Ífá levando só uma muda de roupa, não tinha como se trocar. Por estar já na fronteira com Òíyó, resolveu continuar a viagem, e quando chegasse ao território de Sàngò trocaria sua roupa e se banharia. Com a proximidade de seu objetivo final, Òsáàlúfón se depara com dois lindos cavalos perdidos nos arredores de Òíyó. Foi quando reconheceu os animais, pois ele mesmo os havia dado para seu amigo Sàngò de presente. Acreditando estar levando os cavalos novamente para o grande Ògbá, Òsáàlá conduz os animais para Òíyó quando é surpreendido por Áíyrá e parte de seu exército. Acontece que existia um ladrão de cavalos na região e, deixar os animais como se estivessem perdidos fazia parte de uma armadilha de Áíyrá para pegar o ladrão. Òsáàlúfón foi confundido com o ladrão e imediatamente preso. Ele afirmava ser Òsáàlá, o rei de ífón, mas Áíyrá não acreditou. Como poderia o grande òrísá do branco estar sujo como um mendigo? Òsáàlá foi jogado no calabouço e ficou por lá longos sete anos. Durante esse período, Òíyó passou por momentos ruins, sofrendo com seca, fome, mulheres estéreis, pragas e doenças. Sàngò não sabia mais o que fazer e desesperado procurou um gbágbáláwò para ver o que Ífá o aconselharia. O òdú Èjílásègbòrá mèjí disse para o grande rei que o mesmo estaria cometendo uma grande injustiça e, como poderia o justiceiro de Òlóòrún ir contra a sua virtude. Mandou Sàngò procurar entre seus presos, pois lá encontrava um poderoso òrísá e, que fizesse de tudo para agradá-lo, pois só assim seu reinado voltaria a ser como era antes. Sàngò no mesmo instante foi em seu calabouço e de longe reconheceu seu amigo Òsáàlá, sujo e debilitado. Seus olhos cravejaram de lágrimas e sua ordem foi única: “Ordeno todos os habitantes de Òíyó, a ir aos rios mais límpidos e transparentes, para pegar água e banhar o grande rei de Ífón. Todos devem trajar branco em sua homenagem”. Assim foi feito e, todos seus súditos trajando branco, trouxeram em porrões enfeitados com laços, as águas dos rios. Fizeram um grande banquete para agradar o grande Òsáàlá a base de bastante inhame pilado, ègbò, acaçá, vinho de palma e como tempero apenas o azeite de oliva, substituindo o sal e o dendê. Sàngò para corrigir seu erro, castigou Áíyrá, seu fiel aliado que passaria a servir Òsáàlúfón em seu reino e, deveria levar Òsáàlá nas costas de Òíyó à Ífón. Assim foi feito e antes de chegar a Ífón, Òsáàlá ainda passou por Èjígbò, terra de seu filho Òsóòguíyàn, onde foi ovacionado com uma grande festividade.
Essa lenda conta um pouco da história desse grande Òrísá chamado Áíyrá que, passou a vestir branco e servir Òsáàlá em ífón. Áíyrá não usa ádè (coroa) pois não é considerado rei. Usa torço ou filá e em suas mãos carrega um sérè prateado, uma chave e um òsè somente (em algumas casas não usa òsè). Não come dendê e nem sal e seu ámálá é feito com peito de frango e quiabos cortados em lascas. É o senhor do ájègbó e da fava de árídàn. Sua gamela é redonda e seu ígbá coberto com tampa de metal. Tem propriedade sobre o òrí das pessoas, mantendo o equilíbrio do corpo sobre a terra. É o senhor das comueiras, tendo a responsabilidade de manter a casa equilibrada, olhando pelo sacerdote, todos seus filhos e clientes. Muito tem em comum com Sàngò devido a mistura de cultos, porém tem vestimenta, cantiga, rezas, oferendas, ritos e fundamentos à parte.
Uma das principais homenagens à esse Òrísá é a fogueira de Áíyrá (também chamada fogueira de Sàngò), que é feita em junho, próximo a data de comemoração à São João, santo católico com o qual Áíyrá é sincretizado. Dança Álújá e Águéré e, caso Òsáàlúfón estiver manifestado, o carrega nas costas, lembrando sua história terrena.
Algumas Qualidades de Áíyrá:

·        Áíyrá Íntílè- vem nos caminhos de Íyèmònjá, Òsún e Òsáàlá. Não é colocado em cima do pilão. É essa qualidade de Áíyrá que carrega Òsáàlúfón nas costas. Teria tentado por Òsáàlá contra Sàngò dizendo que o mesmo era o verdadeiro culpado de Òsáàlúfón ter passado sete anos preso em Òíyó. Trás em suas mãos um Òsè de madeira;
·        Áíyrá Mòdé- também chamado de Álámòdé ou ígbòmín, vem nos caminhos de Òsún, Íyèmònjá, òdé e Òsóòguíyàn. É o companheiro de Òsóòguíyàn nas batalhas. Veste branco e azul, usa filá e trás em suas mãos um èrúkèrè. Tem ligação com as águas de rios e açudes. Domina as chuvas e os trovões e representa a luz que clareia os céus quando relampeja;
·        Áíyrá Ígbònàn- também chamado de òmóíjí, esse Áíyrá vem nos caminhos de Ògún, Òsáàlá, Sàngò e òíyá. É considerado o pai do fogo e é o senhor da fogueira. É enquizilado e arredio, podendo cuspir fogo pela boca e narinas assim como Ígbárú. É o senhor do fogo azul e veste branco com adornos azuis. Carrega uma chave nas mãos;
·        Áíyrá Òsí- também chamado de Ádjáòsí, vem nos caminhos de Ógbà, Sàngò e Òsáàlá. Nessa fase, Áíryá é devoto de Sàngò, servindo fielmente o grande rei. Foi casado com Ógbà e em outras lendas teria sido amante. É dono do camelo e de todos os animais que vivem no deserto. Senhor do deserto e das regiões áridas;
·        Áíyrá Áíyrá- vêm nos caminhos de Òsáàlúfón, Òsáàguíyàn e Ògún. É chamado apenas de Áíyrá, pois seria a essência das demais variações. Veste branco ao extremo e é completamente ligado à Òsáàlúfón. Seu assento fica no quarto de Òsáàlá, em cima de um pilão de madeira crua. É necessário assentar para os filhos desse Òrísá Ògún Ájá e Òsáàlúfón, pois sem esses Òrísás seus filhos não tem caminho;
·        Áíyrá Òsúgbúrú- vem nos caminhos de Èsú. Representa o arrependimento de Áíyrá por ter cometido o grande erro de ter preso Òsáàlá por engano e ter feito o mesmo ficar preso durante sete anos nos calabouços do reino de Òíyó. Não é iniciado e veste preto;
Saudação: Áíyrá lè!
Cor: vermelho e branco;
Sincretismo: São João Batista;
Elemento: fogo;
Número: 06 (seis), 08 (oito) e 12 (doze);
Òdú: èjíònílè;
Dia da semana: quarta-feira;
Oferendas: ámálá, ájègbó, acaçás, ègbò, frutas, doces, èmú, frangos, galinha d’angola, cabritos, cágado, pombos, etc.;
Ervas: folha do caruru, alevante, erva-de-São-João, íròkò, algodão, etc.


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